terça-feira, 22 de novembro de 2011

Macabéa Não Tava de Capacete!


Ah.. estudar, que saudade...! não que eu não estudo nada hoje em dia, mas eu sinto falta mermo é da sala, da bagunça, das garotas cheirosas e dos amigos fedorentos...


Nunca fui muito fã de exatas, preferia sempre a gramática, a literatura, as poesias... O mundo das palavras sempre me foi mais atraente que o dos números.

Passei a minha vida toda estudando em escolas públicas e digamos que a competitividade entre os alunos não era uma característica frequente, muito menos entre professores. Pelo menos nas escolas que passei, acho que de 50 professores que eu tive 2 saiam da trilha metódica do livro guia. Todo mundo seguia fingindo até metade do ano, - os alunos fingiam que iam pra aula  pra estudar e os professores fingiam ensinar algo a alguém,- da metade do ano pro final geralmente aconteciam as greves, as paralisações entre os professores, que não gostavam muito quando o governo fingia pagar seus salários. Não era um tarefa fácil se tornar inteligente em meio a esse "Circo do Palhaço Puta Que Pariu".

Voltando pra nostalgia dos momentos em sala, lembro-me bem de um tipo de exercício que tinha muito nos "livros guias" e com certeza tem até hoje, nas edições atuais, e que ganhou seu lugar em provas de concursos públicos e vestibulares. Trata-se da questão de associação. Vou dar um exemplo e você vai saber exatamente do que tô falando.





Abaixo temos a letra da música Nêga Jurema da Banda Raimundos:


Nêga Jurema veio descendo a ladeira
Trazendo na sua sacola um saco de Maria Tonteira
E a mulecada avisou a rua inteira:
"Vem correndo que a feira já está pra começar"
"Mas olha as nuvens esse tempo não ajuda
Pelo menos as minhas mudas eu já sei que vão brotar",
Dizia a Nêga quando vieram os soldados
Se dizendo avisados e começaram a atirar
Pois foi Antônio, filho de José Pereira,
Que no meio da bagaceira olhou pro céu e a rezar
Pediu pra Santo Antônio, São Pedro ou Padim Cícero
Ou pros filhos do Caniço que viessem ajudar
Foi no pipoco do trovão
Que se armou a confusão e ninguém pôde acreditar
Que aquilo fosse verdade, foi por toda a cidade,
Cresceu em todo lugar
Na igreja das alturas, barzinho, prefeitura,
No engenho de rapadura nasceu mato de fumá
E foi com a santa Malícia
que driblou-se a polícia
e fez a guerra acabar
Fumê Fumá
Não é flor de intestino é um matinho nordestino
que a senhora vai queimar
Faz um bem pra diarréia para o véio e para a véia,
faz o morto suspirar
Faz um bem para as artrites, febre ou conjutivite
Faz qualquer mal se curar
Cumê Cagá
Vivê Fumá
São as leis da natureza e ninguém vai poder mudar.



A seguir temos uma tirinha do Calvin:


Agora comente a relação entre os dois:

Lembrou? Claro, o exemplo que dei foi escroto, mas esse é o exercício que eu mais curtia, e um dos poucos do "Livro Guia" dos professores sem criatividade, que realmente colocavam alguém pra pensar, ao invés de apenas decorar.

Esse lance de enxergar nas entrelinhas de obras de mesmo gênero de produção, ou de gêneros diferentes, é bom e ao mesmo tempo ruim: Bom, pois te ensina a enxergar o padrão, ou mesmo as tendências, que as coisas geralmente têm; e ruim, pois depois que você aprende a enxergar esses padrões a vida ganha uma redução nas cores, tendendo ao sépia. Você se torna chato e insuportável, pois pra você o filme, a série, a peça, o livro... estão chatos, previsíveis e, logo, insuportáveis.

Vamos pegar um exemplo bem clichê, não, isso supera o clichê de tão clichê que é:

Imagine que você tá lá, com uma galera, vendo um filme de comédia, de repente um casal resolve fazer sexo, mas de uma forma diferente do convencional, e a mulher (por que sempre é a mulher) aparece com um par de algemas, com aquele sorriso de “safadenha”... A menos que você tenha 10 anos, ou menos, (será que eu estou sendo generoso com essa afirmação?) você sabe bem o que irá acontecer, um dos dois vai ficar preso e gritando, ou algo relacionado. E... bingo! O cara fica preso e gritando pela chave das algemas.
A cena pode parecer muito engraçada pra muita gente ali, mas pra você ela não é. Trata-se de um clichê batido e extremamente previsível. Mas olhe pro gordinho ao seu lado. Cara ele ta rindo como se além de nunca ter visto isso na vida, fosse uma piada pra lá de engraçada, o extremo da comédia, o supra-sumo do absurdo cômico humano! E você está lá, marcado por sua miserável apatia, tentando compreender o estado de graça do gordinho. Todo mundo já parou de rir, mas esse gordinho não, e segue se retorcendo e vermelhasso...! Muita gente nessa hora pode chamar o gordinho de tosco, idiota, exibido! Mas na real ele é o cara que mais ta se divertindo ali, ele está muito bem com seu sensível senso de humor, enquanto você não sente nada a não ser tédio. Você olha as incessantes gargalhadas e sente uma coisa que não consegue descrever, parece raiva, mas não é cara, esse sentimento pode muito bem ser a mais pura e sincera manifestação de inveja.

Quanto mais inteligente você fica, mais exigente você se torna, logo mais chato, mais insuportável também. É como se houvesse uma casca envolvendo suas emoções, que vai ficando mais grossa à medida que você amadurece intelectualmente. O que te fazia rachar de rir, há 15 anos atrás, te causa estranheza  e até vergonha hoje. Será que vale mesmo a pena isso?


Lógico que estou atropelando diversas vantagens no amadurecimento intelectual, que com certeza não é medido nem propositado para se identificar clichês em filmes ou séries. Mas é justamente na interação social, algo de extrema importância na vida de qualquer pessoa, que o peso desse amadurecimento se faz perceber.

Esse exemplo da “cena das algemas” pode ser encarado de forma recorrente em sua vida de espectador. Pois para quem já está “feio de ver” cenas iguais a essa, e se incomoda com esse tipo de obra, possivelmente vai buscar obras mais carregada de dramaturgia subjetiva e rebuscada, porém, como uma droga no organismo, logo o novo universo de entretenimento começa a parar de fazer aquele efeito inicial. Os clichês começam a emergir e o que você sentiu (ou deixou de sentir) na cena das algemas, há um tempo atrás, está sentindo agora ao ver o 20º monologo existencialista neo shakesperiano.

Mas o amadurecimento intelectual é algo inevitável, então a tendência de todos é se tornarem chatos ou mesmo insuportáveis?

Sim! Mas há como amenizar os efeitos disso, de uma forma simples e natural. Empatia.

A empatia vai fazer você sentir a experiência de forma mais próxima possível de como a sentiria na primeira vez. Mas você deve saber direcionar essa empatia. Retornemos ao evento das algemas, você não achou a menor graça da cena do filme, porém ao aceitar o que o gordinho ao lado está sentindo, você vai pegar um pouco desse sentimento pra si. “Poxa se eu visse isso pela 1ª vez, eu riria tão quanto ou mais!”. Isso basta pra você rir junto e sair do estado de tédio constante e cara de bunda.

Que a empatia ajuda a tornar a vida mais suportável isso não é nenhuma novidade. Você mesmo já deve ter dito (ou mesmo feito): “Quando eu tiver meus filhos, vou ver ‘tal programa’ que eu assistia quando criança.” Você pode até assistir o “tal programa” hoje, sozinho, e possivelmente sentirá uma alegre nostalgia, mas isso nem chegaria perto do que você sentiria ao ver seu filho gargalhando no momento exato do “tal programa” em que você também gargalhou, ou ao vê-os imitando os heróis do “tal programa”.

Um exercício pra finalizar. Abaixo temos a letra da música Jumento Celestino do Grupo Mamonas Assassinas:


(De quem é esse jegue?
De quem é esse jegue?
De quem é esse jegueee... Ô rapaz!
Não é jegue não, é jumentio!)
Tava ruim lá na Bahia, profissão de bóia-fria
Trabalhando noite e dia, num era isso que eu queria
Eu vim-me embora pra "Sum Paulo",
Eu vim no lombo dum jumento com pouco conhecimento
Enfrentando chuva e vento e dando uns peido fedorento (vish burro)
Até minha bunda fez um calo
Chegando na capital, uns puta predião legal
As mina pagando um pau, mas meu jumento tava mal
Precisando reformar
Fiz a pintura, importei quatro ferradura
Troquei até dentadura e pra completar a belezura
Eu instalei um Road-Star!
Descendo com o jumento na mó vula
Ultrapassei farol vermelho e dei de frente com uma mula
Saí avuando, parecia um foguete
Só não estourei meu côco pois tava de capacete
Me alevantei, o dono da mula gritando
O povo em volta tudo olhando e ninguém pra me socorrer
Fugi mancando e a multidão se amontoando
Em coro tudo gritando: "Baiano, cê vai morreêeê !"
Depois desse sofrimento, a maior desilusão
Pra aumentar o meu lamento, foi-se embora meu jumento
E me deixou c'as prestação
E hoje eu tô arrependido de ter feito imigração
Volto pra casa fudido, com um monte de apelido
O mais bonito é cabeção!









Faça uma relação entre essa música, o livro A Hora da Estrela de Claricie Lispector e o seguinte verso extraido da epopeia Paraíso Perdido de John Milton:


E essa... Árvore da Ciência se intitula.
Vedar a ciência? Absurdo suspeitoso!
E Deus, por que lha veda? É culpa a ciência?
Da ciência pode germinar a morte?
Só na ignorância lhes é dada a vida?
Neste estado feliz consiste a prova
Da obediência e da fé que lhe tributam?


Lúcifer,  filosofando sobre a condição do casal no Edén e sua unica proibição.



Um comentário:

  1. Huummmmm, muito interessante. excelente texto (o melhor até agora) e de fato concordo que a empatia é sim o farmaco mais eficaz contra a nausea da existência !

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